Sem Imago Mundi,
Antes Um Desvio Aleatório
Constitui um projecto curatorial no domínio das artes visuais que tem como objectivo organizar articuladamente:
I) um projecto expositivo
II) um ciclo internacional de conferências
III) uma publicação.
?Curadoria: Eduarda Neves
?Sem Imago Mundi, Antes um Desvio Aleatório,* toma como referencial crítico a obra de Lucrécio 1 Da natureza das coisas [De rerum natura], poema filosófico dividido em seis livros, considerado um dos textos fundadores da cultura ocidental. Autor maldito, motivado pelo atomismo de Demócrito e pela filosofia moral de Epicuro de Samos, Lucrécio declara a presença do homem num universo sem deuses.
Afastando-se de uma visão antropocêntrica, proclama a libertação do medo da morte acreditando que os deuses não são mais que ilusões de homens receosos. Como sublinhou Gilles Deleuze, a importância deste texto é de tal forma grandiosa que, depois dele, deixa de fazer sentido perguntar para que serve a filosofia. E mais diz: “com Epicuro e Lucrécio começam os verdadeiros actos de nobreza do pluralismo em filosofia”. 2
Introduzindo a ideia de que os átomos não possuem direcções fixas e que o caos, a imponderabilidade e o acaso integram o universo, que tudo pode ser criado a partir de tudo e tudo pode ser criado a partir de nada, Lucrécio confronta-nos com a ideia de que o universo não tem fim nem metas. Nenhuma força oculta influencia a existência pois tudo termina com a morte. Depois dela nada mais existe. Tudo o que nos rodeia resulta do movimento contínuo de partículas infinitamente pequenas que designamos de átomos e, portanto, a criação não é obra divina. É fonte de felicidade para o homem, saber-se livre e consciente do potencial da imaginação e da paixão.
Reflectir sobre o diverso, ou o heterogéneo enquanto tal, é a tarefa na qual fracassaram as filosofias que o antecederam,defende o autor romano. Pensando a astronomia, a matéria, a energia e o vazio, a história natural da Terra, o relativismo da percepção face ao real, a noção de simulacro, as funções corporais ou o amor apaixonado e arrebatador, o filósofo conduz-nos a um dos seus principais enunciados : o de que tudo o que constitui o universo é formado pela mesma matéria, sejam os oceanos, as pedras ou os homens; cada um integra esse cosmos em movimento contínuo.
Contestando o conhecimento fundado na autoridade dos antigos, Lucrécio encontrou em diversos autores como Erasmo, Maquiavel, Espinosa, Montaigne, Marx, Nietzsche, Calvino ou Deleuze, generosos leitores da sua obra.
Da Natureza das Coisas é, também, um clássico no sentido que Italo Calvino atribuiu a esta noção : “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer (…) Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente os repele para longe.” 3
No âmbito do programa curatorial, foi proposto especificamente, a cada artista, um dos livros, do conjunto de seis que, como já referimos, estrutura esta obra. Esta matéria-prima apenas se constitui como ponto de partida para o projecto expositivo. Este, não se objectiva numa qualquer representação do mundo, uma imago mundi, mas, antes, num desvio aleatório, sem qualquer tipo de redenção.
Pensar o presente a partir de e com Lucrécio. Como advertiu Nietzsche, pensar activamente é agir de um modo inactual, contra o tempo e, portanto, no tempo, em favor de um tempo por vir.
Onde estamos nós com Lucrécio? O que tem ele para nos dizer? E nós, a ele?
(Eduarda Neves)
1 Tito Lucrécio Caro . Poeta e filósofo latino que viveu no século I a.C. [94 a.C.- 50 OU 51a.C.]
2 Gilles Deleuze – Lógica do Sentido. São Paulo: Editora Perspectiva,1998, p.274.
3 Italo Calvino – Porquê ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. pp.11-12.
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